O instante antes

O instante antes

Era noite.

A cidade respirava em luzes e sons — carros, passos, chuva a cair no vidro.

Ela observava o reflexo no espelho do bar: o copo meio vazio, o batom marcado, o olhar que parecia procurar algo que não tinha nome.

Ele chegou sem anunciar.

O casaco molhado, o ar tranquilo de quem não tem pressa.

Não trocaram palavras de início. Só um olhar — longo o suficiente para dizer tudo o que a boca não diria.

A conversa começou leve, mas o silêncio entre as frases era o que mais falava.

Havia qualquer coisa no ar — o tipo de energia que faz o tempo abrandar e o ar parecer mais denso.

Ela mexia o copo, ele observava.

A distância entre os dois era pequena, mas a tensão cabia inteira naquele espaço.

Nenhum gesto era óbvio, mas cada movimento parecia calculado — como se ambos soubessem que o que estava a acontecer era inevitável.

Quando saíram, a rua estava molhada e o ar frio colava-se à pele.

A cidade fazia barulho, mas ali o som parecia longe.

Os passos seguiram juntos — nem lado a lado, nem separados.

O toque não veio; não era preciso.

O olhar que ficou antes da despedida disse o resto.

E ela soube que, mesmo sem promessas, aquele instante ficaria guardado — não pelo que aconteceu, mas pelo que quase aconteceu.

Os passos levaram-nos até ao hotel da esquina — desses com luz dourada no átrio e cheiro a chuva antiga.

Não disseram nada.

Era como se o caminho já estivesse decidido muito antes de o percorrerem.

No elevador, o silêncio era quase palpável.

Ela olhou o reflexo no espelho e viu o próprio arrepio que tentava esconder.

Ele ajeitou o casaco, mas não desviou o olhar.

Quando a porta se abriu, o corredor estava mergulhado numa luz suave.

O mundo lá fora parecia ter ficado para trás.

Ficaram ali, por um instante — próximos o suficiente para sentir o ritmo do outro, mas longe o bastante para que o tempo ainda respirasse.

A chave girou, a porta abriu-se.

O som da cidade desapareceu.

Não foi o toque que ficou na memória, nem o que veio depois — foi o instante antes, aquele em que o ar se suspende e o desejo se torna silêncio.

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